Há uns dias, enquadrado no actual debate sobre crescimento, o Ifo, importante instituto alemão de estudos económicos, liderado por Hans-Werner Sinn, fez um comentário no qual se opunha à deriva pró-políticas de crescimento na UE. Avisava os políticos alemães que o objectivo destas tentativas do Sul é crescer à custa da Alemanha, mas esclarecia que as consequências seriam roubar poupança e crescimento futuro à maior economia europeia. Terminava com a frase: "É hora dos países periféricos do euro começarem a crescer usando as suas próprias poupanças".
Werner Sinn, um defensor da supermacia alemã na Zona Euro, considera que, nos anos que antecederam a crise, a Alemanha "teve a sua própria crise do euro": com a moeda única, as poupanças dos alemães voaram para o Sul, o investimento no país caiu, o desemprego aumentou. Os alemães ajustaram com muito esforço, suor e duras reformas. Isto enquanto no Sul decorria o festim que agora terminou. Sinn tem contado esta história até à exaustão, descrevendo a Alemanha como sendo uma vítima do euro, sangrada de investimento (expressão do próprio) ao longo de quase 15 anos.
Porém, como é evidente há, claro, sempre outras formas de contar e ver a mesma história, ou pelo menos de complementar a história.
Vejamos.
No passado recente, o sucesso da austeridade alemã desde 2007 beneficiou das políticas expansionistas da China, Japão e EUA, escreveu no Vox, Kamil Yilmaz, um professor da Universidade de Koç, na Turquia. Mas, mais importante é a possibilidade de ter sido a própria Zona Euro que ofereceu as condições para que a Alemanha se transformasse na superpotência exportadora na última década.
Na realidade desde a entrada na moeda única, os custos unitários do trabalho na Alemanha baixaram significativamente, quer em termos absolutos, quer face à média e à maioria dos países do euro, um facto que lhe permitiu aumentar o seu potencial exportador. Sinn defende que tal foi resultado de duras reformas e muita contenção salarial. Outros, como Krugman, defendem que esse ganho se deveu não ao esforço alemão, mas sim à inflação superior registada nos países do Sul (o que tornou a Alemanha mais competitiva).
Nesta versão da história, a Alemanha conseguiu o melhor de dois mundos: por um lado, lucros chorudos de investimentos bem remunerados no Sul (que no entanto acabaram por criar inflação e bolhas imobiliárias e financeiras); por outro, mais competitividade nas exportações resultante de uma estratégia de moderação nos seus elevados salários germânicos, e de aumentos salariais a Sul mais elevados (respondendo às pressões inflacionistas).
Neste debate, António Fatas do INSEAD ofereceu recentemente um contributo que permite conciliar algumas posições e adicionar mais uma dimensão à discussão. Os alemães fizeram de facto um esforço de contenção salarial que os ajudou nas exportações. Mas esse esforço, defende, só teve resultados por o país pertencer a uma união monetária, que evitou que a sua moeda se valorizasse, e na qual o Sul registou inflação mais elevada.
Estivesse a Alemanha sozinha, só com suas poupanças e com o seu Marco e o impressionante crescimento alemão baseado nas exportações dificilmente teria ocorrido.
Esse cenário tornaria mais compreensível a Sinn o significado do axioma: é impossível todos terem excedentes externos ao mesmo tempo.
A Alemanha é ganhadora neste processo e não devia esquercer-se disso.
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