sábado, 15 de dezembro de 2012

ANÁLISE DO ORÇAMENTO DE ESTADO PARA 2013 À LUZ DA CRP


Analisando a Lei do Orçamento de Estado para 2013, há normas que, ligadas à organização e funcionamento da máquina do Estado, reflectem a necessidade daquela ser diminuída. Até aqui tudo bem. Mas há propostas como o corte nos valores das ajudas de custo das Empresas Públicas e institutos públicos e Administração Directa do Estado, entre outras, que, atendendo à forma como está previsto pode ofender o princípio da igualdade. Na verdade, nada justifica que o valor a pagar pelas deslocações que os trabalhadores do Estado façam em favor do Estado e ao seu serviço, sejam de montante inferior ao pago no sector privado. Tanto mais que a natureza da ajuda de custo não é remuneratória, mas ressarcitória das despesas incorridas pelo trabalhador nas deslocações feitas ao serviço e para benefício e ordem da sua entidade patronal. Esta medida, quanto a mim poderá ofender os princípios da igualdade, proporcionalidade e adequação.

O mesmo já não digo no que diz respeito ao valor previsto para pagamento de horas extra, pois aqui o Estado, enquanto entidade patronal pode decidir não autorizar a realização de horas extra. 

Depois, o Orçamento contempla uma redução de cerca de 50% dos trabalhadores contratados a termo. Nada a apontar, podendo até ter sido decidido reduzir 100%. Compete ao Estado ter ou não contratados a prazo. Nenhuma inconstitucionalidade antevejo aqui.

Quanto à “contribuição extraordinária de solidariedade” determinada aos aposentados/reformados:  atente-se que o Estado está a reduzir de forma absolutamente desproporcional as pensões de cidadãos reformados que trabalharam longos anos para que pudessem viver com estes rendimentos que agora lhes são retirados. Uma coisa é estabelecer novas regras para os futuros reformados e pensionistas, outra é alterar as regras do jogo depois do apito final e da entrega das taças. 
O direito à segurança e certeza jurídica, à segurança social e à proteção à doença, velhice e invalidez, são direitos constitucionalmente consagrados e não revistos, a que acresce o princípio da irretroactividade da lei que é inalienável quando os factos jurídicos aos quais se pretende aplicar a lei nova já produziram os seus efeitos na pendência de lei anterior.
Coisa diferente seria se os efeitos não se tivessem ainda produzido, caso em que a retroactividade ainda lhe poderia ser aplicável: exemplo: um cidadão formulou o seu pedido de aposentação mas ela ainda não foi deferida (o cidadão pede a reforma, mas entretanto sai lei nova que diz expressamente que as suas normas já se aplicam aos casos cuja aposentação ainda não foi deferida).
Aqui a retroactividade já seria lícita e constitucional, mas não é o caso do OE 2013.

Depois, acrescento outro dado. O Estado pode criar impostos, taxas, preços ou contribuições financeiras. O critério que preside à repartição dos dinheiros públicos não é o mesmo que justifica o pagamento de impostos, taxas ou de contribuições financeiras, pelo que o princípio da igualdade tributária encontrar-se-á na percepção das várias figuras do sistema dos tributos.
Quando se tratar de fazer concorrer os membros de uma comunidade para o custeamento dos encargos da comunidade enquanto um todo, a solução é fazê-lo mediante o pagamento de impostos que tem subjacente o princípio da capacidade contributiva (artigo 4.º da LGT): cada um suporta a carga tributária de acordo com a sua capacidade de contribuir.
no caso das taxas, elas são criadas quando se pretende fazer concorrer os membros de uma comunidade para o custeamento proporcional dos benefícios concretos que esses cidadãos  recebem da comunidade (uma estrada que só beneficia quem lá passa...), e que tem implícito o princípio da equivalência entre o custo e o benefício.
No caso das contribuições financeiras, tratam-se de prestações pecuniárias exigidas pelo Estado em contrapartida de prestações presumidamente provocadas ou aproveitadas pelos cidadãos afectados pelo seu pagamento, ou seja, quando estamos perante prováveis prestações administrativas do Estado para beneficiar apenas uma certa categoria de pessoas, então essas terão de pagar contribuições financeiras. Este tipo de tributo tem uma finalidade compensatória presumida para um futuro próximo (exemplo: as denominadas "taxas de supervisão" são na verdade contribuições financeiras pois assentam em prestações presumidas, ou seja, presume-se que se está a pagar a supervisão, sendo os operadores do sector supervisionado os que as terão de pagar, pois são eles que presumidamente delas beneficiam).
Posto isto, vejamos o que é esta "contribuição extraordinária de solidariedade" só aplicável aos pensionistas/aposentados?  Não é uma taxa pois não há qualquer benefício concreto que eles estejam a pagar. Será uma contribuição financeira? Mas qual é a prestação presumida que os pode beneficiar e que, por isso, são obrigados a pagar? Não vislumbro nenhuma, pelo que também não pode ser uma contribuição financeira. 
Verdadeiramente, trata-se de um imposto extraordinário inconstitucional porque viola o princípio da igualdade, na medida em que sendo um verdadeiro imposto, atendendo à sua finalidade (visa apenas a angariação de receita, sem existência de qualquer prestação do Estado para com os seus pagadores - princípio da unilateralidade do imposto), tem de ser pago, por isso, por todos os portugueses.   
Considero que a criação desta contribuição extraordinária de solidariedade aplicada apenas aos aposentados é inconstitucional.

O estado desta proposta de Orçamento prevê ainda alterações nos escalões de IRS e a aplicação de uma sobretaxa de 3,5 %, descontada mensalmente. O escalão máximo de IRS atingirá, com taxas, escalões, sobretaxas e afins, a até agora inverosímil taxa global de 54,5 por cento. Isto significa que mais de metade do rendimento colectável destes trabalhadores reverterá integralmente a favor do Estado.
Bom, não estando nós em estado de necessidade, diria que este montante tributário violaria o princípio da proporcionalidade, todavia estando nós em situação de emergência, vou deixar de lado este princípio e analisar antes a tributação sobre os rendimentos do trabalho, prevista neste Orçamento de Estado, por comparação com a tributação de outras fontes de rendimento, atendendo a que a Constituição prevê, por um lado, a progressividade dos impostos sobre os rendimentos, e, por outro, o princípio da capacidade contributiva e da igualdade tributária como pilares essenciais do sistema fiscal português. 

Sobre este ponto e ainda sobre a previsão da manutenção da supressão de um dos subsídios dos funcionários públicos, amanhã continuaremos a nossa análise, atendendo a que este texto já vai longo.

4 comentários:

  1. O ministro Gaspar já disse que as pensões dos reformados "é má despesa"...

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  2. O Ministro Gaspar é economista não pode mudar o contrato social estabelecido entre o poder político e a comunidade há 30 anos e aplicar para trás o novo contrato social (aliás, em primeiro lugar para alterar o contrato social estabelecido e aplicar o nosso contrato social daqui para a frente precisa de 3/4 da AR, o que não vislumbro fácil). Finalmente, importa precisar o que é o contrato social. Corresponde ao mínimo denominador comum estabelecido entre a sociedade portuguesa e aqueles que representam a sua vontade nos órgãos de soberania. Mas, Luis, já pensou na possibilidade da sociedade portuguesa não querer alterar o contrato social em matéria de reformas?

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  3. Respeito a posição do tecnocrata Victor Gaspar, mas nesta parte não concordo com ela. Então a despesa pública com reformas é má despesa? Acho inacreditável isso.... Como ele quer garantir um fim de vida aos seus cidadãos com um mínimo de dignidade ? Sabe para que serve a economia? Para permitir aos povos alcançar a felicidade...
    Bom, então os meus descontos e os dos demais portugueses para a segurança social também são má despesa para mim, porque desconto para um fundo pouco credível e pouco confiável chamado Estado.... Na prática sinto-me roubado já que a segurança jurídica é algo que pelos vistos apenas existe entre privados. O Estado passou a ser o pior dos entes em matéria de boa-fé e confiança. Se eu celebrar um contrato com o Luis e não o cumprir, o Luis põe-me em tribunal e a justiça executa-me até ao cumprir o que acordei consigo. Mas se for um contrato com o Estado tudo pode acontecer.....

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  4. Eu também não percebo o que Gaspar quer dizer com "má depesa" não sei se é por achar que é por ser muito grande ( na sua óptica). Mas já apareceu aí um movimento de reformados a APRE que em duas semanas reuniu 3000 assinaturas.É realmente um contrato que uma das partes não quer cumprir.

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