segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

O PRINCÍPIO DA IRRETROACTIVIDADE DAS LEIS NUM TEMPO EM QUE SE PERDEU A NOÇÃO DOS MAIS BASILARES PRINCÍPIOS DO ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO.


O problema da aplicação da lei no tempo não é, obviamente, o de saber qual a lei que está em vigor. A questão é saber se, quando uma lei deixa de estar em vigor, ela cessa de produzir efeitos, ou se deveremos continuar – por imperativo de justiça – a regular face a ela um conjunto de factos e efeitos jurídicos que se tenham verificado no seu tempo de vigência.
Esta é uma questão muito importante no mundo jurídico, com consequências na vida dos cidadãos profundamente relevantes. Como sabemos, o legislador frequentemente toma a iniciativa de estabelecer numa lei nova uma disciplina distinta para certa espécie ou categoria de situações. Ora, pode levantar-se justamente a dúvida sobre qual das leis se deve aplicar naquelas situações constituídas ao tempo da lei antiga, mas que ainda se mantenham depois da entrada em vigor da nova lei. 
Portanto, em suma, do que cuidamos é da necessidade de termos um critério que permita determinar qual a lei competente ou aplicável para regular estas situações que atravessam o período de vigência de diversas leis.
Assim, nesta ausência, o legislador é livre, dentro dos limites constitucionais específicos a que aludiremos a seguir, de regular ele próprio a questão ao criar uma nova lei. Com efeito, ele pode fazer constar do seu próprio texto normas que disciplinem expressamente esta matéria, determinando a sua aplicação retroactiva, por exemplo, ou estabelecendo disposições transitórias com carácter formal ou material. Isto é, limitando-se a dispor sobre a lei aplicável em caso de conflito de leis no tempo, ou instituindo um regime específico para as situações que fiquem abrangidas pelas leis antiga e nova.
No entanto, é necessário ter em consideração que a nossa Constituição estabelece algumas proibições em matéria de aplicação retroactiva da lei.
A doutrina tem identificado diversos graus de retroactividade de acordo com o modo mais ou menos gravoso com que se podem repercutir na segurança e certeza jurídica:
a) retroactividade ordinária: é toda aquela que se verifica quando a lei nova regula situações jurídicas passadas, mas respeitando os efeitos já produzidos à luz do direitos anterior pelos factos que se destina a regular.
b) retroactividade agravada: a aplicação retroactiva da lei ressalva apenas o caso julgado, as obrigações/deveres já cumpridos, transacções ou acordos não homologados e outras situações idênticas.
c) retroactividade quase-extrema: a lei só tem por limite o respeito pelo caso julgado. Ou seja, apenas os efeitos jurídicos protegidos por caso julgado ficarão a slavo da aplicação da lei nova.
d) retroactividade extrema ou de grau máximo: é aquela que se verifica sempre que a lei nova se aplica retroactivamente sem qualquer limite, nem sequer o do caso julgado. De modo idêntico são também de grau máximo as situações de aplicação retroactiva da lei que, pelos seus condicionalismos concretos, se revelem irrazoáveis, intoleráveis ou manifestamente imprevisíveis
De todos estes tipos de retroactividade, em geral, o único que é incompatível com a nossa Constituição é o da retroactividade extrema ou de grau máximo, já que viola o princípio da separação de poderes (ao permitir uma imposição legislativa de possibilidade revisão de decisões que já se haviam consolidado como caso julgado nos Tribunais) e o princípio do Estado de Direito, ao introduzir uma imprevisibilidade intolerável no mundo jurídico, gravemente lesiva dos interesses dos cidadãos que necessitam de segurança e certeza jurídica.
Contudo, é necessário advertir que em alguns ramos do nosso Direito existem normas constitucionais especiais que disciplinam a questão da aplicação da lei no tempo, sendo estas normas especiais as aplicáveis.
Tais são os casos de:
1. Artigo n.º 103.º da CRP – proibição da retroactividade da lei de imposto Direito Penal;
2. Artigo n.º 29.º CRP – proibição da retroactividade da lei penal incriminadora
3. Artigo n.º 18.º CRP – proíbição da retroactividade das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias

Nos casos em que o legislador não regula expressamente da questão da aplicação no tempo de uma nova lei, e na ausência de disposição constitucional aplicável, deve seguir-se o critério estabelecido no artigo 12.º do Código Civil.
Inspirando-se na teoria do facto passado, já anteriormente mencionada, o legislador estabeleceu aí um princípio de irretroactividade da lei (artigo n.º 12. n.º 1), isto é, esta regula as situações futuras, respeitando os factos passados.
Daí derivam as seguintes consequências:
1 - O facto jurídico em si é regulado pela lei vigente no momento da sua verificação. A lei nova deve regular apenas os factos ocorridos após a sua entrada em vigor, deixando para a lei antiga a disciplina dos factos ocorridos no tempo da sua vigência, ainda que os seus efeitos perdurem no tempo;
2 – A lei antiga aplica-se ainda aos efeitos jurídicos de factos passados. Os efeitos presentes e futuros de factos passados serão regulados ainda pela lei antiga se o contrário pudesse implicar uma reapreciação desses factos e, a contrario, a lei nova regula os efeitos presentes e futuros de factos passados quando isso não implicar uma reapreciação destes.

Sem comentários:

Enviar um comentário