Nem bom dia. Nem um bom dia ouvi articular-se a partir da boca daquele
semblante carregado de má-disposição. Era uma colecção de clichés do
não-se-deve fazer. Como poderia ser possível?! Ainda insisti em segurar a
porta, considerando uma obrigação fazê-lo. Mas, como seria de supor, não estava
virado para a boa-educação. Essa sim, em falta, mas também o sorriso. Uma
tromba que devia estar exposta num museu. Ou numa exposição de arte
contemporânea, pois é hoje, aqui e agora que se passa.
Chamo-me João Girão. Nasci em Lisboa em 1977, e reparti a minha vida por
Castelo Branco e Torre de Moncorvo. Torre de Moncorvo, no nordeste
transmontano. Terra onde vivo e tento sobreviver. Para além de vos estar aqui a
prender um precioso momento, também costumo criar (porque sim, e porque gosto
deste verbo) umas músicas. O convite partiu de um amigo de família de longa
data. E só poderia aceitar. Porque sim, respondi a mim mesmo. Nunca gostei
muito de me justificar a ninguém. Nem a mim mesmo. Desde miúdo que, sem razão
aparente, considerei que seria mais difícil assim, mas concerteza muito mais
interessante. Mas nunca me conformo com uma resposta dessas: “Porque sim!
Porque não!”. E se as razões se perdem, quando não andamos a justificar
demasiado as razões, somos muito mais responsáveis. Até porque não temos que
partilhar os fracassos.
E resolvi então deixar que a porta se fechasse sobre aquela “tromba”.
Opto por este substantivo, que podia ser adjectivo de muitos desses que não
conseguem articular um bom dia! Ou um obrigado. Ou um sorriso de assentimento.
Cedi a passagem a um desfilar de gente. Nem sequer um deles olhou para mim.
Fi-lo porque quis, mas também porque as razões são mais fortes que a própria
razão. E nem a minha pressa poderia justificá-lo. Neste mundo de forte
concorrência ainda o faço. Mas se não o fizesse, não teria que estar preocupado
com ninguém, nem com nada. Mas comigo ficaria.
Percebo, mais uma vez, qual o tipo de crise com que nos deparamos. É uma
crise não-social-não-económica-não-política. É uma crise de falta. Falta de
princípios, de valores, de ética. E de quem aponte o dedo! -“Oh amigo! Está a
ouvir?! Esqueceu-se da sua cadeira de rodas”- berrei quando o animal estacionou
com a família no lugar de deficientes à porta do hipermercado e saíram todos a
pulular por ali a saber do carrinho para as suas compras despreocupadas… Não é
por ser véspera do próximo feriado esquecido. Até porque para mim isso não
existe. Feriados, férias e fins-de-semana são para quem pode. E eu não posso, e
tenho-os demasiado dependentes de mim. Que mais não seja eu.
Eis senão, quando largo a porta no apêndice nasal do filho da mãe! Não
sou porteiro. Mas também porque não quero. E não admito que os meus filhos
gémeos de 4 anos o pensem: -“Não consigo”. Não pode existir essa palavra. Não
deixo que me absorva esse sentimento. Eu sou capaz. Nem que seja um dia. Eu sou
capaz! Repitam comigo em pensamento: -“EU SOU CAPAZ!”. E vou ser capaz, da
próxima que alguém segure a porta para eu passar, me ceda a passagem, se amarre
para me ajudar a apanhar o saco que deixei cair, que me ajude a estacionar, que
sorria para mim. Vou ser capaz de agradecer. De sorrir. De retribuir. Ou tudo
de uma vez…
(este e todos os
textos deste autor são, com muito prazer, redigidos pelas regras pré(vergonhoso)-novo-acordo
ortográfico)
Bom texto, João.
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