sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

O SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE


A inabilidade das instituições públicas em gerir a crise fiscal e económica que se verificou na década de 70 e as pressões contra a dimensão do Estado levou a que os Governos dos países ocidentais adoptassem instrumentos de reforma do sector público mais radicais. 
Os problemas financeiros dos governos, a necessidade imperiosa de abrandar a taxa de crescimento dos gastos públicos, a incapacidade de controlar uma Administração cada vez mais gastadora e ineficiente, o descrédito em relação às organizações públicas e as expectativas dos cidadãos em relação à qualidade dos serviços públicos são factores que pressionaram as reformas nessa altura.
A classe política estava decidida em reduzir as fronteiras do Estado através de políticas de contenção das despesas. O controlo e o rigor das despesas públicas surgem como uma preocupação generalizada por parte dos governos para recuperar a confiança dos cidadãos. 

A ideia era fazer menos, mas fazer aquilo que o governo queria fazer, preferencialmente através do sector privado.
As correntes liberais e as suas teorias económicas influenciaram o movimento de reforma administrativa, contribuindo para a sua orientação neo-liberal. Esta influência traduziu-se numa nova abordagem aos problemas do sector público e na procura de soluções enfatizando a eficiência, a eficácia e economia. Estas ideias assumem que as práticas de gestão do sector privado são superiores às práticas de gestão do sector público e portanto a reforma deveria ser orientada pelos modelos e técnicas do sector privado. 

Mais do que a introdução de um conjunto de técnicas de gestão, a nova gestão pública implica a introdução de novos valores e de uma cultura administrativa virada para os resultados e indutora da eficiência e economia. Na verdade, assistiu-se a um vasto programa de privatização e à abertura à iniciativa privada de sectores tradicionalmente detidos pelo Estado.
O SNS, criado em 1979, baseia o seu funcionamento no modelo da Administração Pública Portuguesa: propriedade pública dos hospitais e centros de saúde, orçamento financiado pelo Governo e pessoal integrado no regime da Função Pública. 

Tal como ocorreu noutros países em que o acesso aos cuidados de saúde é universal e gratuito também em Portugal houve a expansão dos serviços de saúde, com influência no peso orçamental dos gastos com a saúde.
A inabilidade do poder político em introduzir as reformas necessárias à correcção das disfunções deste modelo levou a que o SNS fosse apresentando, ao longo do tempo, graves problemas de funcionamento, originado elevado défices. 

O que poucos saberão é que as despesas com a saúde dispararam precisamente com a transformação das unidades de saúde e hospitais SA (sociedades anónimas), portanto, de gestão privada. É aí que estão os grandes buracos e os tais hospitais que o Ministro refere como estando em falência técnica. Com um pormenor: como apenas a gestão privada foi concessionada, numa espécie de PPP na Saúde, imaginam lá quem é que está a pagar? Claro, nós, os cidadãos, pelos impostos. Ou seja, privatiza-se a gestão da saúde mas continuamos a pagar, ainda que por via indirecta.

A reforma do sistema de saúde de que se fala nos corredores da Assembleia da República e que será, porventura, posta em marcha mal haja condições na sociedade civil para isso, parte da premissa de que o aumento da concorrência entre serviços prestadores de cuidados de saúde irá criar pressões competitivas, tal como num mercado, de forma a promover uma melhor utilização de recursos e a proporcionar melhores serviços para os cidadãos. As forças da concorrência são o agente de mudança que irão conduzir à eficiência do sistema. Este quase-mercado é constituído por quatro tipo de participantes (Lei n° 27/2002 Art° 100): hospitais do Sector Público Administrativo, hospitais de natureza empresarial, hospitais SA e hospitais privados. A contratualização passa a ser, portanto, o processo que permite criar uma estrutura na qual é possível desenvolver uma lógica de mercado.




A forma de financiamento deixa de se basear exclusivamente no orçamento de Estado sendo feito através da prestação de facto dos cuidados de saúde definidos por contrato com o SNS (princípio da separação entre financiador e prestador do serviço). 
Os actos médicos serão pagos de acordo com uma tabela de preços.
O orçamento de cada hospital será calculado com base na realização de determinado número de cirurgias, consultas ou atendimento. Significa isto que o governo vai criar um 'mercado' com os preços fixados numa tabela que representa o custo fixo para cada um dos cuidados de saúde. 
Paralelamente será criada uma entidade reguladora que modere e regule o funcionamento deste 'mercado', através da transferência de poderes detidos pelo governo, mas cujos contornos ainda não estão definidos e são desconhecidos.

Para que o modelo esteja mais próximo de um ‘mercado’ a reforma prevê que a procura de cuidados de saúde por parte dos cidadãos seja livre em todo o território podendo estes optar pelo hospital no qual pretendem ser tratados. Os mentores desta reforma do SNS esperam que, com a liberdade de escolha por parte dos cidadãos, existam pressões do lado da procura no sentido da maior qualidade dos serviços prestados. 

Defendo maior rigor na gestão pública das unidades hospitalares e centros de saúde, mas não concordo com a privatização indirecta do Serviço Nacional de Saúde.
A experiência recente mostra-nos que não é verdade que a gestão privada é sempre mais eficiência e eficaz que a gestão pública, por um lado (a unidade cardiologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra do Professor Manuel Antunes, ex-mandatário de Cavaco Silva, prova isso mesmo: é a unidade de saúde cirúrgica de alto risco mais eficiente do país, atendendo aos resultados e ao custo para o Estado).

Lamento, não sou liberal. Aliás, abomino essa corrente económica.
Há sectores que não podem ficar na mira exclusiva da óptica do lucro, pois isso produz os resultados que já se começam a sentir em alguns dos melhores hospitais do país (que eram igualmente assim catalogados no Mundo e na Europa): a famosa eficácia do privado permitiu comprar catéters aos chineses (obviamente muito mais baratos) e aumentar nos últimos 2 anos em 34% as infecções pós-operatórias, sabiam?

Finalmente, deixo pequenas verdades que nos permitirão , porventura, entender melhor tudo:

1. A despesa com saúde por habitante em Portugal é de 1630 dólares e a Média da OCDE é de 2300 dólares;

2. O crescimento das despesas com saúde em Portugal é de 1,5% e a média da OCDE é de 4%;

3. Os portugueses já gastam mais com Saúde do seu orçamento familiar mais (4,2%) que a média dos países da OCDE (3,2%);

4. Em 2010, os Portugueses já pagavam cerca de 40% do preço dos medicamentos, quando na média dos países da OCDE os cidadãos pagavam, em 2010, 32,6% apenas do preço dos medicamentos.

4 comentários:

  1. Luis,não há que lamentar nada. Em democracia é assim. As pessoas têm direito a ter opiniões diferentes.

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    1. Claro. Foi maneira de dizer :-)
      Quanto ao link, isso concordo. Essaé a tal gestão pública que defendo. Deve haver mais racionalidade, o que não implica necessariamente privatizar ou "semiprivatizar" sob a forma de PPP´s.

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    2. Eu defendo são vários modelos de gestão. Importa pouco a propriedade.

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  2. Uma opinião sobre custos : http://economico.sapo.pt/noticias/servicos-de-saude-ultrapassam-as-nossas-necessidades_158407.html

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